terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

PORQUE ENVELHECEMOS?

Depois de uma certa idade, nosso organismo vai debilitando sem remédio, até que um dia, em forma inexorável, chega a morte. Porque?


Existem muitas teorias que tentam explicar isto que nos afeta profundamente, e que ao mesmo tempo parece tão obvio e fatalista (ver 1). Mas talvez a resposta seja muito mais simples do que aparenta, e se resuma apenas a uma única frase de conteúdo filosófico: "NÃO SE PODE ENSINAR AQUILO QUE NÃO SE CONHECE".

Somos o produto da informação genética dos nossos pais, e esta informação somente consegue mostrar ao nosso organismo o caminho a seguir até a idade reprodutiva, quando alcançamos o máximo vigor físico e sexual. Depois deste clímax (entre os 14 e 18 anos), nossos genes começam a trilhar uma senda de caos e desinformação, até que sobrevem a morte.

Este texto está escrito por um leigo em biologia, dirigido a um público também leigo em biologia, e por tanto, o mesmo não terá o rigor cientifico suficiente para responder a muitos interrogantes. De qualquer forma, é um texto coerente e baseado em conhecimentos obtidos de fontes confiáveis (a maior parte das referencias são da revista Scientific American). É possível que estas idéias sejam amplamente conhecidas e divulgadas nos médios acadêmicos. De qualquer forma, elas não aparecem facilmente disponíveis para o leitor comum, assim, o presente trabalho se propõe cobrir esta falta.

EXPLICAÇÕES LÓGICAS PARA O ENVELHECIMENTO

Recentemente (Dec. 2004), passou um interessante documentário da BBC de Londres sobre o corpo humano na TV Cultura do Brasil. Um dos capítulos deste documentário era justamente sobre o processo de envelhecimento nos nossos corpos. Os melhores e mais proeminentes cientistas apresentaram interessantes teorias para tratar de explicar o fato, assim como as possíveis soluções para diminuir seus efeitos, ou reverte-los em forma definitiva.

As explicações cientificas sobre o envelhecimento se baseiam em observações sobre objetos comuns que nos rodeiam, os quais se deterioram ao longo do tempo. Surge assim a idéia natural de que qualquer aparelho complexo, seja uma pessoa, um automóvel ou uma ponte de concreto, tendem a 'envelhecer' e deteriorar na medida que transcorre o tempo.

A primeira explicação apresentada naquele interessante programa de TV, está baseada na deterioração das copias celulares ao longo da existência. A segunda explicação, na deterioração causada pela oxidação, visto que nosso organismo absorve e utiliza este ativo elemento químico durante toda a vida. As mesmas explicações estão presentes em (1).

Este trabalho tentará mostrar que ambas explicações apresentadas no programa da BBC para o envelhecimento, assim como as que aparecem em (1), não são corretas, e que o mesmo nada tem a ver com a 'idade' (intervalo de tempo desde o nascimento), com as copias celulares, ou com a oxidação, e sim apenas com a CARENCIA DE INFORMAÇÕES que nosso organismo sofre a partir de determinado ponto.

ORGANISMOS UNICELULARES NUNCA ENVELHECEM NEM MORREM



Para explicar em detalhes a idéia central, usaremos analogias ou comparações com situações simples, que sejam facilmente compreendidas pelo leitor comun.

Inicialmente, será usada uma analogia para explicar como se desenvolvem os seres multicelulares. É importante fazer esta distinção, por que (a diferença dos multicelulares) os seres unicelulares (bactérias), nunca envelhecem nem 'morrem'. Ao contrario, quando chegam a uma determinada idade, estas apenas se dividem em duas novas bactérias perfeitamente conservadas e idênticas.

É possível destruir individualmente alguma delas (a penicilina o faz), mas mesmo assim, elas desconhecem o envelhecimento, e a bactéria que originou a esta, ou ainda, a anterior e a anterior, continuam sobrevivendo nas inúmeras copias das suas descendentes, na forma de informação genética.

Daqui se conclui que, o envelhecimento e a morte somente se aplicam aos seres chamados 'multicelulares', compostos de bilhões ou trilhões de diminutas 'células'. Entre estes seres, obviamente, estamos nos, os humanos.

E aqui é que começa nossa primeira analogia.

O que é um ser multicelular?

Ao compreender como se formaram os multicelulares ao longo da evolução biológica , será muito mais fácil compreender o processo de envelhecimento que os afeta, e o que significa sua 'morte'.

DIVIDIR PARA CONQUISTAR


Ha 600 milhões de anos atras não existiam organismos multicelulares no planeta terra. Num período chamado 'Cambriano', aproximadamente 550 milhões de anos atrás, surgiram os primeiros destes seres, como um refinamento natural das colônias bacterianas. Assim apareceram organismos simples como os platelmintos, equinodermos e outros, que formam a origem básica de todos os organismos complexos (ver 2).

Para compreender seu surgimento, primeiro é importante notar que existe uma força poderosa e constante na natureza, e que dirige todos os processos dinâmicos no sentido de 'dividir para conquistar'.

Lembram de Henry Ford, o genial construtor de automóveis norte-americano? Ford ficou famoso (entre outras coisas) por que aplicou um sistema de produção chamado 'em serie' para a fabricação de automóveis. Muitos pensam que Ford descobriu algo novedoso e revolucionário, mas é fácil perceber que ele apenas implementou algo que a natureza vem fazendo desde que a vida surgiu no planeta terra, milhares de milhões de anos atras.

Neste processo, cada operário da fábrica somente se dedica a realizar uma única tarefa, bem acabada, no menor tempo possível, dentro de uma chamada 'linha de montagem'. Como resultado, a fabrica como um todo sai ganhando em tempo, qualidade e preço dos seus produtos. Isto fez de Ford um dos homens mais ricos do seu tempo. Se cada operário da fábrica construísse o carro completo desde o inicio até o final, demoraria muitas vezes mais, teria uma qualidade provavelmente inferior, e seria enormemente caro.

Pois bem, a mesma coisa aconteceu com as colônias bacterianas. No lugar de cada bactéria realizar todo o trabalho de conseguir alimento e transforma-lo em energia a partir do meio ambiente, as colônias começaram a dividir e otimizar seus processos de 'produção', fazendo com que cada um dos seus membros se especializara em determinadas tarefas, como os operários da fábrica de Ford.

Algumas se especializaram em digerir os alimentos, outras em obter e processar o oxigênio, outras em transporta-lo, transmitir informações etc. Nasciam assim os 'órgãos' diferentes dentro de um 'corpo', pulmões, sangue, nervos, folhas, raízes etc., e como resultado, o sistema ganhava eficiência e economia. Agora, trilhões de bactérias, trabalhando em conjunto, conseguiam processar e extrair energia do meio ambiente com uma sofisticação extraordinária, a velocidades nunca vistas, para seu próprio beneficio.

Nasciam os 'seres multicelulares', formado por zilhões de bactérias, tão densamente integradas e apertadas umas com as outras, que dão a impressão de formar um ser 'único e indivisível', como as centúrias romanas marchando juntas no mesmo compasso. Esta unicidade é uma ilusão, e é nesta ilusão que reside o segredo do envelhecimento e da 'morte'.

As próprias bactérias, tomadas em forma individual, são também um conjunto de sistemas de processamento e produção muito bem organizado a nível atômico, com sub-sistemas e 'órgãos' bem especializados, mas este é um tema que foge ao nosso contexto.

A mesma força que levou à divisão/especialização nos unicelulares, também operou (e o continua a fazer) em todos os seres vivos. Mas numa espécie é observado com maior destaque: os insetos. Antigas larvas isoladas que nasciam da mesma mãe se juntaram em colmeias, formigueiros e outros tipos de associação, onde cada membro se especializou em determinadas tarefas, otimizando enormemente o trabalho de conseguir energia a partir do meio ambiente. Se pode considerar à colmeia ou o formigueiro como o 'ser único', em lugar de considerar a cada um dos insetos como seres vivos isolados. A antiga mãe agora se converteu em 'rainha' e único órgão reprodutor, enquanto outros se converteram em soldados, operários ou zangões.

Por isto dizemos que a tendência de 'dividir para conquistar' é uma força inexorável que guia o destino dos seres vivos desde os primórdios da criação.

Todos sabemos que existem tarefas que somente se podem executar em equipe. Isto se aplica muito bem às empresas, à estratégia militar e aos jogos. Somente quando cada um dos elementos do grupo realiza uma parte integrada ao trabalho total, é que pode se conseguir um objetivo. O futebol é um bom exemplo disto, já que os gols são o produto de um esforço coletivo dividido entre todos os membros da equipe. Se cada jogador, individualmente, corresse pelo campo sem nexo com outros, apenas chutando a bola para frente, provavelmente o resultado para esta 'equipe' seria um desastre. Os jogadores precisam pensar estratégias e combinar lances para otimizar os gols.

A natureza também descobriu (por tentativa e erro) este principio, ao longo de milhões de anos, já que constitui indubitavelmente uma vantagem evolutiva. Somente as colônias melhor organizadas e com um eficiente sistema de comunicação conseguiam executar tarefas de crescente complexidade, e isto levou finalmente à consolidação dos seres multicelulares a partir das colônias bacterianas.

Se existe vida unicelular em algum planeta do universo, é seguro que esta vida também irá evolucionar no sentido de formar organismos multicelulares mais complexos, sempre que exista tempo suficiente para isto. Da mesma forma que os membros de qualquer organismo (seja uma colônia de insetos, uma cidade como Nova Iorque ou uma manada de lobos) tratará sempre de especializar e diferenciar as tarefas entre seus membros para aumentar o rendimento total.

Para aprofundar esta idéia, usaremos uma nova analogia, necessária para compreender o processo de envelhecimento na sua totalidade.

MIRACULOSAS CHAVES QUIMICAS NOS GUIAM


Dissemos que os multicelulares são uma continuação previsível das colônias bacterianas, e isto é fácil de verificar. Todos os dias a TV mostra que os seres humanos se formam primeiro como um único ovulo que se divide em dois, depois quatro, oito, 16, 32 e assim sucessivamente até formar o organismo completo. Não ha nenhuma diferença fundamental aqui com o fato de colocar uma bactéria num caldo de cultivo e observar como a mesma se divide também em dois, quatro, oito, 16, 32 et., até preencher todo o espaço e esgotar os recursos disponíveis no entorno.

A única diferença entre um e outro caso, é que nos organismos multicelulares, as células se comunicam em cada divisão sucessiva de uma forma muito sofisticada, enquanto que nos unicelulares não se comunicam, o em ultimo caso o fazem de forma rudimentar, de forma que cada bactéria acaba ficando sozinha e isolada no ambiente, devendo sobreviver por seus próprios meios (ver 3 e 4). No caso dos multicelulares, estas acabam coladas umas nas outras, agora com o nome de 'células', cada uma executando uma tarefa diferente, formando um conjunto que na sua aparência externa da a impressão de ser algo único e indivisível.

Cada vez que uma célula se divide para formar outras duas novas (mitosis ver 5), envia uma mensagem às 'descendentes' (as duas copias resultado da divisão) na forma de 'ativadores genéticos' (ver 6), 'intrones' (ver 7) e outros tipos de proteínas codificadas, as quais vão guiando a estes recém chegados para formar futuramente os distintos órgãos e funções do sistema.

Os ativadores genéticos são como as chaves de luz no dormitório, ao ficar 'ligados', ativam determinados genes, e 'desligados' os desativam. Estas miraculosas chaves químicas vão acendendo e apagando determinados genes na medida que as células se dividem nos nossos corpos, e este jogo de liga- desliga ao final indicará como formar o coração, o sangue, músculos, nervos e outros órgãos ao longo do tempo.

Os ativadores são proteínas que contem mensagens simples, emitidos pelo 'pai' e capturado logo pelos dois 'filhos' resultado da divisão celular, numa corrente sem fim durante toda a vida do organismo multicelular, e fazem com que as células sofram pequenas transformações em seu funcionamento na medida que se desdobram.

Aquelas células primordiais que ainda não receberam a mensagem, são conhecidas como 'células tronco', já que podem se converter em qualquer órgão do corpo (em quanto se dividam), segundo sejam os ativadores genéticos que recebam (ver 8). O homem está aprendendo rapidamente a manipular estas maravilhosas chaves químicas.

O processo é relativamente simples, e o por que funciona deste jeito, pode se resumir em que, a informação necessária para formar um organismo foi sendo acumulada e compactada por tentativa e error ao longo de milhares de milhões de anos de evolução, praticamente desde que a vida surgiu sobre a terra. Esta informação ficou armazenada naturalmente numa complicada rede proteinica que se expande ao longo de toda a vida do organismo.

A VIDA COMO UM FUGAZ FOGO DE ARTIFICIOS

O nascimento e desenvolvimento de um multicelular pode ser muito bem comparado com a explosão de um sofisticado fogo de artifícios, formado por vários estágios, com diferentes jogos de luzes ao longo do tempo.

Imagine que, ao ser lançado o petardo para cima, um mecanismo inicia varias explosões e detonações menores, formando um jogo de luzes e cores no espaço. Por sua vez, estas detonações dão inicio a outros jogos de luzes, e logo a outros, até que a energia da pólvora termina e o espetáculo de luzes se extingue.

Isto é mais ou menos o que sucede aos multicelulares. Desde o momento da conceição (o primeiro ovulo), este vai guiando as seguintes células (resultado das divisões), por médio de ativadores genéticos, como um fogo artificial que vai se abrindo, até que ao final os trilhões de descendentes ocupam um lugar bem definido dentro do espetáculo chamado 'ser'. Este desenvolvimento 'por estágios' continua durante toda a vida do organismo, desde o momento da conceição, passa pelo 'parto' (ou saída do ovo) até a sua morte.

DETERIORAÇÃO DE COPIAS SUCESSIVAS

Voltando ao programa da BBC citado no inicio do texto, vejamos a primeira explicação para o envelhecimento que os cientistas oferecem. Ela se baseia no bem conhecido principio de que ao produzir copias de informação, sempre haverá ruído do ambiente que se filtra nas copias, e este 'ruído' fará que as copias sejam cada vez de menor qualidade.

É fácil verificar isto, quando ao copiar uma fita de musica para outra (não digital) e por sua vez desta para outra e outra, cada copia vai perdendo nitidez (o som dos agudos desaparece etc.), por que o ruído da estática, do próprio aparelho e de outras fontes, se mistura com o som original da fita. O programa da BBC mostrou este fenômeno usando uma fita de vídeo copiada sucessivamente uma e outra vez, até perder praticamente toda a imagem num videogravador.

Usando este mesmo principio, muitos cientistas acreditam que o processo de envelhecimento resulta por que, ao se dividir as células (copias umas das outras ao longo do tempo), estas vão perdendo qualidade, e o organismo como um todo (formado por trilhões delas), começa a envelhecer e deteriorar.

Porém tem muitos fatos que contradizem este ponto de vista, e um deles é a própria clonação de seres vivos. Se as células se deterioram com as copias sucessivas, como é que se pode obter um indivíduo novo e jovem a partir das células de indivíduos velhos?. Ha casos de clonação de animais que morreram naturalmente por velhice (gatos e cachorros), dos quais seus donos obtêm 'copia' por clonação, como se fossem recém nascidos, com todas suas qualidades.

Isto significa que as células dos indivíduos 'velhos' estão ainda em perfeito estado de conservação, tão perfeito, que podem reproduzir integralmente um novo ser jovem e sadio como por mágica, e não sofreram nenhuma deterioração ao longo da vida.

O outro aspecto que contradiz esta explicação, está em que um organismo multicelular, nos seus primeiros estágios, não somente não envelhece, senão que fica mais forte e saudável, até chegar à idade reprodutiva (conhecida como a de maior vigor físico e sexual), ponto a partir do qual começa a debilitar e envelhecer. Porque as células iriam se copiar sem defeitos nesta primeira etapa, e só posteriormente começariam a apresentar defeitos nas sucessivas copias? Não ha explicação para este fenômeno, o que nos leva a concluir que, a pesar de se introduzir prováveis erros nas copias celulares sucessivas, elas não são fortes o suficiente como para levar ao processo conhecido como 'envelhecimento', e ainda é possível que existam mecanismos auto- corretivos para estes defeitos.

OXIDAÇÃO

A seguinte explicação apresentada pelos cientistas, conhecida como 'oxidação' também tem um atrativo muito grande, já que este processo é o que 'envelhece' todos os aparelhos e ferramentas que conhecemos. Basta deixar um carro no relento por alguns meses, e logo notaremos que começa a 'envelhecer', aparecendo manchas de óxido aqui e acolá. A mesma coisa acontecerá com um televisor, computador ou qualquer outro equipamento sofisticado exposto ao meio ambiente.

O oxigênio é um átomo (as vezes em forma de molécula) muito ativo. Praticamente não pode permanecer em estado puro na natureza, sempre tratará de aderir quimicamente com outros elementos alterando sua composição básica. Com o ferro forma os óxidos, com o hidrogênio forma a água e assim por diante.

Se pensamos que o corpo humano (ou qualquer outro animal) é um sofisticado aparelho de grande complexidade, e que durante muitos anos absorve oxigênio pela respiração para conseguir energia, é bastante lógico pensar que, talvez este oxigênio seja a causa principal do envelhecimento, da mesma forma que deteriora um automóvel o uma ponte ao longo do tempo pela oxidação.

Esta idéia levou a uma serie de suposições, sendo a principal a teoria dos 'radicais livres'. Combatendo estes radicais, produto da oxidação, talvez se pudesse retardar o envelhecimento nos seres vivos.

A pesar do atraente que possa parecer esta idéia, ela bate novamente com um fato notório: desde o nascimento até a idade reprodutiva, os organismos multicelulares não apenas não envelhecem, senão que se tornam mais fortes e poderosos, e apenas começam a decair a partir desta idade.

Isto pode ser melhor observado em outros animais, como os insetos, onde os mesmos morrem quase no momento de haver gerado descendência, como se ésta fosse a única e primordial tarefa para a qual foram criados. Existem insetos que nascem e crescem durante algumas semanas, logo entram num processo de acasalamento que dura momentos, e rapidamente morrem em poucas horas.

Por que a oxidação somente começaria a funcionar e envelhecer os organismos a partir desta idade de máximo vigor?. Ainda mais, no caso dos insetos e outros animais, não ha tempo suficiente em tão poucas horas para que o processo de oxidação leve até a morte. Este é um mistério que dificilmente obterá uma resposta cientifica adequada, o que nos obrigaria novamente a duvidar da idéia como causa principal do envelhecimento.

PROCURANDO UM CÁLICE SAGRADO QUE NÃO EXISTE

Ao ler os trabalhos científicos sobre o assunto, se observa a busca obsessiva dos investigadores por determinados genes que 'controlem' de alguma forma os processos de oxidação, de replicação e outros considerados como causadores do envelhecimento. É possivel que ao encontra-los nos brindem com valiosos tesouros, mas também é possível que estes cientistas estejam procurando um 'Santo Gral' que não existe, e para chegar a esta conclusão devemos avançar um pouco mais na leitura.

Se a idade reprodutiva joga um papel tão importante no processo de envelhecimento, não seria possível obter algum beneficio ao estender esta idade ao máximo possível?

A idéia é muito simples, e foi enunciada por primeira vez pelo cientista britanico-indiano 'Sir' Peter Medawar, divulgada no livro 'O Gene Egoísta' de Richard Dawkins (ver 9).

A idéia é como segue: se separam os indivíduos de ambos sexos, e não se permite o acasalamento até os mesmos chegarem a uma determinada idade mais avançada que a considerada normal para este ato. Visto que existem pequenas diferenças nas habilidades e qualidades numa população de indivíduos, alguns destes ainda terão força e vigor suficientes como para consumar o ato sexual, mesmo a uma idade superior à media da população, e assim, estas caraterísticas (boa saúde e vigor) serão transmitidos aos descendentes.

Repetindo o processo uma e outra vez, se podem conseguir indivíduos em perfeito estado de saúde e com vigor a idades muito superiores às normais, deixando a cargo da natureza resolver os problemas genéticos e de engenharia, necessários para manter um organismo em bom estado até idade avançada.

Este mesmo processo de seleção vêm se aplicando com sucesso ao longo de milhares de anos, para conseguir galinhas cada vez mais poedeiras de ovos, ou vacas com maior capacidade de fornecer leite, por tanto, não seria de estranhar que funcione bem quando a qualidade desejada seja uma idade maior. É a simples explicação proposta por Charles Darwin ha 150 anos como 'seleção natural' (ou neste caso, seleção artificial realizada pelo homem).

A idéia de Sir Medawar foi levada à prática em vários experimentos realizados (dentre outros por Michael R. Rose da Univ. Irvine na Califórnia - ver 1) com moscas da fruta e outros insetos, conseguindo exemplares com uma vida 2 vezes maior que a de indivíduos normais. As 'super moscas' vivem em perfeito estado de saúde 2 vezes mais que o resto de seus congêneres.

Estes experimentos demonstram que, se bem é possível retardar o envelhecimento, usando técnicas simples de seleção, estas não podem ser aplicadas facilmente ao gênero humano por razões obvias. Seria impossível nas atuais sociedades humanas estabelecer diretrizes que permitissem a reprodução apenas aos indivíduos sadios e vigorosos de certa idade.

De qualquer forma, existe sem duvida uma estreita relação de causa-efeito entre a idade reprodutiva (máximo vigor) e o inicio do envelhecimento. A pergunta é: qual é esta relação?, porque a natureza abandona à sua sorte uma máquina tão sofisticada, outrora cuidadosamente preservada, e deixa que se deteriore desde o momento que esta máquina gera descendência?

A resposta a esta pergunta é muito simples, e como colocado ao inicio do texto, se baseia numa única frase: "não se pode ensinar aquilo que não se conhece". A verdade é que a natureza não abandona ninguém, pois não ha nada a ser abandonado, e é justamente o que trataremos de explicar a seguir.

NÃO SE PODE ENSINAR AQUILO QUE NÃO SE CONHECE

Talvez a dificuldade em perceber o obvio se deva à idéia insistente que temos de sermos 'um produto acabado', mais ou menos como um automóvel ou um televisor, e por tanto, sujeitos a um envelhecimento natural. Este é um grave erro, já que ao contrario, todas as nossas células estão continuamente renovando, duplicando e transmitindo informações através dos ativadores genéticos e outras proteínas ao longo do tempo, até o mesmo momento da morte.

Pense no seguinte: uma pequena aldeia vai crescendo da nada, até se transformar numa grande cidade. Esta cidade está cheia de letreiros, cartazes, semáforos e outros indicadores, que lhe informaram no passado, e ainda hoje lhe dizem como deve seguir crescendo em forma ordenada, lhe dizem como o tráfego deve se comportar, por onde as pessoas devem caminhar, aonde podem achar emprego ou se alimentar. É uma cidade forte e feliz, onde cada elemento da mesma tem informações precisas a todo momento sobre como se orientar no dia a dia.

De pronto, chegado um certo momento, estes letreiros e semáforos deixam de funcionar. São eliminados completamente da vida da cidade. As pessoas e os veículos começam a se mover em forma aleatória batendo uns contra os outros em forma caótica, edifícios são construídos em lugares errados e ruas abertas ao acaso, até que a convivência dos seus moradores se torna insuportável. Finalmente as pessoas começam a abandonar a cidade, até que termina despovoada. Isto é o envelhecimento e a morte, e como vemos, nada tem a ver com a idade da metrópole, senão apenas com a falta de informações necessárias para seu correto funcionamento.

Agora preste atenção ao seguinte:

Quando um indivíduo multicelular é gerado, os ativadores genéticos irão guiando a cada uma das suas células durante o desenvolvimento, dizendo exatamente como devem se comportar à medida que se dividem, da mesma forma que aqueles semáforos e letreiros faziam com a nossa cidade, até que chega o momento que deve gerar um descendente, e passar para ele a informação, tudo o que sabe (geneticamente falando) para seu futuro desenvolvimento.

Neste momento, o organismo somente conhece a informação para chegar até este ponto (idade reprodutiva). E é justamente esta (e apenas esta) informação que irá passar para a próxima geração. Não pode informar aos seus descendentes como deve se comportar após esta idade, por que ele mesmo o desconhece. Então, a partir deste momento, os ativadores genéticos e as proteínas de informação começarão a se mover em forma desordenada gerando o caos, igual que acontecia com a nossa cidade. O organismo começa a envelhecer.

O LABIRINTO DA VIDA

Ha outra comparação que pode ajudar a compreender melhor esta idéia: imagine um labirinto escuro e cheio de perigos como no jogo DOOM. Este labirinto tem uma única porta de entrada, com uma fila de pessoas esperando turno para entrar um após o outro. Ninguém sabe se existe porta de saída na construção, porém existe uma pequena ajuda aos que adentram nos túneis. No meio do labirinto tem um telefone que comunica com a porta de entrada. Se alguém consegue se orientar e chegar até este telefone, imediatamente liga para a porta e explica à seguinte pessoa como deve transitar com segurança nos corredores, para chegar pelo menos até o telefone.

Depois de efetuar a ligação e informar ao novato, nosso caminhante continua a avançar no labirinto procurando alguma saída. É evidente que não poderá nunca explicar ao novato o que ha depois do telefone, por que este é um caminho que ainda não percorreu, e por tanto, desconhecido.

O labirinto representa a vida, a porta de entrada é o nascimento, pegar o telefone e fazer uma ligação significa trazer um novo descendente para a vida, e as informações transmitidas para chegar até ele (telefone) são as que estão dentro do código genético. Ninguém sabe onde irá terminar a viagem, ou qualquer outra informação depois deste ponto.

O processo se repete continuamente com cada indivíduo que vai entrando no labirinto. Todos conseguem chegar até o telefone sem problemas, por que o viajante anterior explicou-lhe o caminho claramente, mas a partir deste ponto, começam a transitar a cegas. A partir deste ponto, todos começam a 'envelhecer', pois seus genes não sabem o que fazer e se comportam em forma errática. Seu progenitor não lhes informou o que vêm depois do telefone no labirinto da vida, por que ele tampouco o sabe.

Estender a idade pelo processo de Sir Medawar eqüivale a levar o telefone um pouco mais para dentro do labirinto.

Estas explicações nada tem a ver com a deterioração por causa da idade, pela oxidação ou pelas copias mal realizadas, senão apenas por que o progenitor não consegue informar aos descendentes o seguinte: como o complicado mecanismo dos ativadores genéticos e outras maravilhosas chaves químicas deveriam se comportar depois que foi gerada descendência?

Se observamos o processo como num filme acelerado, parecerá obvia a afirmação de que 'o organismo envelhece por que já cumpriu sua função, que é gerar filhotes'. Mas na realidade não é assim. A natureza não tem como saber o que é obvio ou não, apenas executa aquilo que deve, e neste caso, o organismo envelhece por que não puderam lhe informar o que fazer a partir de determinado ponto.

É como uma corrida de postas de 4 x 100, no momento que um corredor passa a posta para o seguinte, fica automaticamente fora da corrida. A informação genética da espécie é a pota. Ela gira sem parar em torno da pista, enquanto os corredores vão desaparecendo um atras de outro. As espécies se mantém a traves do 'pool' genético enquanto os indivíduos desaparecem.

É evidente que, uma vez que os genes (e seus ativadores) não conhecem os próximos passos a seguir, é impossível achar algum tratamento que possa reparar o problema. Mesmo que o organismo seja mantido artificialmente numa gaiola de ouro, sem levar nenhum tipo de estres, acidente ou doença, ele envelhecerá sem remédio, da mesma forma que a nossa outrora bela cidade se tornou inabitável depois de ter lhe tirado todos os letreiros.

Para os que conhecem um pouco de teoria do caos, a vida e o envelhecimento dos seres multicelulares é um bom exemplo de sistema caótico, onde a partir de certo ponto, entra numa espiral irremediável de desequilíbrio, e acaba caindo, como um lápis precariamente equilibrado pela ponta sobre a mesa. O breve momento em que o lápis consegue se manter de ponta (vivo), é por que os genes sabem o que fazer para manter o equilíbrio, como fazem os malabaristas ao balançar a mão e anular as oscilações. No momento que esta informação cessa, o lápis desequilibra cada vez mais e termina caindo.

A reversão deste processo implicaria numa reprogramação completa das informações contidas nos genes. Esta tarefa parece harto difícil, dada a complexidade que existe no desdobramento de trilhões de células ao longo do tempo para formar um organismo completo.

Se nossas células conseguem avançar ordenadamente no labirinto da vida até certo ponto, é por que esta informação foi armazenada e compactada gradualmente ao longo de centenas de milhões de anos, num simples processo de tentativa e erro. Exatamente como se os indivíduos tivessem descoberto o caminho até o telefone procurando a cegas durante muitos anos dentro do labirinto. Este processo evolutivo de tentativa e erro está muito bem explicado pelo mesmo cientista que conseguiu as super-moscas (ver 10).

Substituir este processo de tentativa e erro por algum outro mais eficiente e planificado, se mostra quase impossível, dada a complexidade dos nossos corpos, mas talvez aconteça, se a engenharia genética continua a avançar no mesmo ritmo que faz hoje. Muitas conquistas cientificas que no passado pareceriam um milagre, hoje são realidade, e por tanto não devemos perder a esperança de que seja possível vencer algum dia definitivamente a velhice ou inclusive a morte

Um requisito fundamental para isto, é sem duvida compreender o fenômeno na sua totalidade.

======== FIM =======





Miguel A. V Mulá (o autor pode ser contatado em

mivemu@yahoo.com.br

)


Referências bibliográficas


1 - Why do we age? - Ricki L. Rusting - Scientific American Dec 1992 Vol 267 Num 6 Pag 86


2 - The Big Bang of Animal Evolution - Jeffrey S. Levinton - Scientific American Nov 1992 Vol 265 Num 5 Pag 52


3 - Why and How Bacteria Communicate - Richard Losick & Dale Kaiser - Scientific American Feb 1997 Vol 276 Num 2 Pag 52


4 - The Artistry of Microorganisms - Eshel-Ben Jacob & Herbert Levine - Scientific American Oct 1998 Vol 279 Num 4 Pag 56


5 - What Controls the Cell Cycle - Andrew W. Murray & Mark W. Kirschner - Scientific American Mar 1991 Vol 264 Num 3 Pag 34


6 - How Gene Activators Work - Mark Ptashne - Scientific American Jan 1989 Vol 260 Num 1 Pag 24


7 - The Hidden Genetic Program of Complex Organisms - John S. Mattick - Scientific American Oct 2004


8 - The Stem Cell - David W. Golde - Scientific American Dec 1991 Vol 265 Num 6 Pag 36


9 - The Selfish Gene - Richard Dawkins - Oxford University Press 1976 (capitulo 3)


10 - Can Human Aging Be Postponed? - Michael R. Rose - Scientific American Dec 1999 Vol 281 Num 6 Pag 68


 Fonte: http://www.meucat.com/vp.html

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